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ESPERANDO A TORMENTA: O CORONAVÍRUS NA ÁFRICA

  • Amy Braunschweiger ; Mausi Segun
  • 14 de abr. de 2020
  • 7 min de leitura

Membro do coletivo senegalês RBS CREW pinta informalmente murais alertando como evitar a propagação do novo coronavírus no muro de uma escola de ensino médio no bairro de Parcelles Assainies, em Dakar, Senegal. 25 de março de 2020.

© 2020 AP Photo/Sylvain Cherkaoui



A pandemia ameaça os campos de refugiados, áreas urbanas de grande densidade populacional [1]


Enquanto parece que o coronavírus está atingindo a África de maneira mais lenta do que outras regiões, a diretora do Observatório dos Direitos Humanos na África (Human Rights Watch Africa), Mausi Segun, teme que o vírus em breve devaste o continente, em parte devido à fraca rede de saúde pública dos países africanos, em parte pela dificuldade do isolamento social em áreas urbanas densamente povoadas e nos campos de deslocados internos. Segun conversou com a jornalista Amy Braunschweiger sobre a resposta – boa ou má – dos governos africanos ao vírus e como uma abordagem centrada nos direitos poderia ajudar a manter a população africana mais segura, ajudando a conter a propagação do vírus.


Quais são suas principais preocupações sobre a chegada do corona-vírus na Africa?


Em muitos países onde trabalhamos há uma infraestrutura e um sistema de saúde pública extremamente fracos. O fato de que a propagação na África tenha sido mais lenta que em outros lugares traz algum alento e dá tempo para que os governos preparem a infraestrutura necessária. Infelizmente, não temos visto muito disso acontecer. As oportunidades para testagem e tratamento são inadequadas, e nós sabemos que há muito mais casos do que o que tem sido relatado. Além disso, a pandemia está acontecendo em meio a outros surtos já existentes, como sarampo e cólera, o que pode fazer com o que coronavírus seja ainda mais mortal. Há ainda o acesso limitado à água limpa para higiene e saneamento ao longo da África subsaariana, inclusive em muitos estabelecimentos de saúde.


Com os países mais ricos lutando para conter a propagação do vírus, você realmente se preocupa que se dissemine pela África a taxas crescentes.


De que maneira a reação dos governos tem sido prejudicial aos direitos?


Os governos têm a obrigação de educar a população a respeito de novas doenças e de tentar limitar sua transmissão. Eles também precisam garantir o cuidado para qualquer pessoa que esteja doente, assegurando que não haja discriminação e dando atenção especial àqueles mais vulneráveis.


Alguns governos têm sido lentos em sua resposta, e alguns inicialmente sugeriram que a doença atinge apenas os estrangeiros. Em muitos países da África, a falta de investimentos em saúde está prejudicando a capacidade dos governos em monitorar novos casos, e nós estamos vendo a falta de testes e de tratamento. Além disso, há poucos profissionais de saúde para tratar todos que ficam doentes.


Até serem registrados os primeiros dois casos no Burundi, em 31 de março, o governo afirmava estar protegido do vírus porque “colocava Deus em primeiro lugar”, ainda que os especialistas tenham alertado sobre a necessidade da realização de mais testes e de que os lugares de quarentena no país eram superlotados e insalubres. O Sudão do Sul não registrou nenhuma infecção – o que não significa que não haja nenhuma.


Temos observado o uso excessivo da força para impor o isolamento ou a quarentena. Em Uganda, as pessoas que retornam de viagens a países com registro de infecções são detidas na chegada, levadas contra sua vontade para hotéis e obrigadas a pagar o custo de uma estadia por até 14 dias. A conta pode chegar até mil dólares. Algumas pessoas são forçadas à quarentena dormindo em lobbies de hotéis ou aeroportos, mas isso piora a situação, pois esses lugares estão cheios de outros viajantes em “quarentena”.


No Quênia, no dia 30 de março, a polícia matou a tiros um menino de 13 anos sob o pretexto de impor um toque de recolher. A polícia também usou força excessiva em Mombasa e outros lugares com o mesmo propósito.


O governo etíope desligou a internet e as linhas telefônicas durante três meses na Oromia ocidental, onde uma operação de contra insurgência governamental está em curso, o que significa que milhões de pessoas ficaram sem acesso à informação sobre a pandemia até que o governo restaurasse o acesso em 31 de março. Isso aconteceu após a intensa pressão realizada por alguns grupos, mostrando que oferecer informação sobre o coronavírus é essencial para proteger vidas.


Na África do Sul, vimos a polícia utilizar balas de borracha e canhões d’ água para dispersar pessoas sem teto em filas para obter comida, lhes dizendo “Vão pra casa!”. Essas pessoas não têm casa e a decisão de amontoá-las em escolas, igrejas, estádios e estacionamentos deixa pouco espaço para distanciamento social. O mesmo também acontece em comunidades de migrantes onde as pessoas estão sendo postas em quarentena.



Membro do coletivo senegalês RBS CREW pinta informalmente murais alertando como evitar a propagação do novo coronavírus no muro de uma escola de ensino médio no bairro de Parcelles Assainies, em Dakar, Senegal. 25 de março de 2020.

© 2020 AP Photo/Sylvain Cherkaoui


De que forma ignorar as pessoas mais pobres coloca todo mundo em risco?


Essa doença coloca todo mundo em risco. Contudo, algumas pessoas têm mais condições para limitar seu contato com outras. Muitas pessoas pobres recebem baixos salários, mas têm trabalhos que são essenciais. Elas produzem alimentos, vendem nos mercados e lojas, dirigem ônibus, limpam hospitais ou são trabalhadoras domésticas. Nós estamos todos profundamente conectados, e se os governos não encontram uma maneira de apoiar e proteger os direitos econômicos das comunidades pobres, ninguém vai poder se manter isolado desse vírus para sempre.


Como os governos estão reagindo de uma maneira que respeita os direitos?


Diversos governos se moveram rapidamente para conter a contaminação interrompendo o fluxo de viagens. O Sudão começou a fazer uma triagem entre os ingressantes no país já no fim de janeiro. Alguns países estão providenciando serviços de saúde de forma extraordinária (ad hoc). No estado de Lagos, na Nigéria, o governo está providenciando itens domiciliares básicos, como comida e produtos de limpeza, para instituições e comunidades de baixa renda.


Os governos deveriam compreender a limitação de recursos à disposição de pessoas com condição econômica desfavorável ou que vivem em guetos ou favelas, [2] onde não sair para ganhar o sustento por alguns dias pode ser uma questão de vida ou morte. É encorajador ver que alguns governos estão se engajando na garantia desses serviços essenciais.


O que o coronavírus poderia significar para países em conflito?


Em lugares onde você tem conflitos em curso como Sudão do Sul, República Centro-Africana, Mali, Burkina Faso, e o nordeste da Nigéria, as pessoas estão particularmente em risco. Isso também é válido para lugares recebendo um grande contingente de refugiados, com campos se alastrando como no Sudão, Sudão do Sul, Etiópia e Quênia. Esses países com infraestruturas e sistemas de proteção social já vulneráveis são incapazes de lidar com a disseminação do vírus. O alto número de deslocados internos e os desafios de segurança decorrentes da garantia de atendimento de saúde a essas populações é extremamente preocupante.


Em Burkina Faso, o número de pessoas deslocadas pelo conflito subiu de quase 1000% para mais de 765 mil no último ano. Agora mesmo, é também o lugar com maior número de casos na África Ocidental. Com deslocados e refugiados vivendo em comunidades ou campos densamente povoados, seria especialmente difícil para os governos interromper ou mesmo administrar o contágio. Eles precisam garantir o distanciamento social e providenciar instalações de quarentena e isolamento para essas pessoas.


Mitos e desinformação, incluindo o equívoco de que a COVID-19 é um vírus estrangeiro, poderiam levar a ameaças contra as equipes de assistência e prevenção, limitando também a capacidade dos trabalhadores humanitários de prestar assistência para salvar vidas e proteger os civis.


Quem na África está sob maior risco na pandemia?


Todos estão em risco. Em outros lugares, as crianças são menos propensas a contrair a doença e morrer. Mas não sabemos se será assim na África, onde a subnutrição e co-infecções, como por exemplo de vermes intestinais, pode tornar as crianças muito mais vulneráveis.


Para outras questões, podemos esperar que o que vimos em outras experiências também valha para a África. Nós estamos preocupados com o vírus se espalhando em prisões superlotadas - e a maioria, senão todas as prisões na África estão superlotadas. Governos, como o Sudão do Sul, que já começaram a libertar detentos,[3] deveriam considerar reduzir a população carcerária por meio de liberação de quem aguarda julgamento ou se encontra arbitrariamente detido. Há uma grande porcentagem de detenções pré-judiciais na África, especialmente de crimes não violentos. Essa é a hora para a libertação dessas pessoas.


Nós também estamos preocupados com campos de deslocados e favelas urbanas onde muitas pessoas, incluindo idosos e outros grupos de risco, vivem em um espaço apertado com suas famílias, de modo que é praticamente impossível implementar o distanciamento social ou o isolamento. Também nos preocupamos com as pessoas com deficiências, especialmente aquelas que estão confinadas em instituições psiquiátricas. Trabalhadores de saúde - a maioria dos quais são mulheres -, bem como os idosos, mulheres em geral, trabalhadores imigrantes, muitos sem documento, podem não ter acesso aos serviços de saúde que necessitam. As escolas estão fechadas, e os períodos estendidos em casa, em circunstâncias difíceis, podem expor as meninas ao estupro e ao casamento infantil. Além disso, ao contrário dos países ricos, aulas online e mesmo o homeschooling podem não estar disponíveis para as crianças africanas. Mas a melhoria na oferta de serviços de qualidade, como a eletricidade e a internet para os domicílios, bem como outras comunicações, pode ajudar a garantir às famílias alternativas à escola enquanto as crianças permanecem em casa por tempo indeterminado.


Da mesma forma, em razão das restrições de viagem, as pessoas mais ricas e a cúpula governamental já não poderão viajar ao exterior para tratamento médico. Talvez isso pressione pela melhoria da infraestrutura de saúde doméstica em seus países de origem.




NOTAS


[1] O texto original foi publicado no dia 3 de abril de 2020 no site da Human Rights Watch e pode ser consultado no link: https://www.hrw.org/news/2020/04/03/waiting-storm-coronavirus-africa


[2] No original, slums.


[3] Correção: Uma entrevista feita na África sobre o COVID-19 afirmou incorretamente que o Sudão do Sul havia libertado 1.000 prisioneiros em resposta à pandemia. Ao invés disso, em 6 de abril foi apurado que nenhum preso havia sido libertado.


* Essa entrevista foi originalmente condensada e editada

___________________


Tradução: Luna Campos e Pedro Borba


Como citar esse texto: BRAUNSCHWEIGER, Amy; SEGUN, Mausi . (2020), "Esperando a tormenta: o coronavírus na África". Horizontes ao Sul. Disponível em: https://www.horizontesaosul.com/single-post/2020/04/10/ESPERANDO-A-TORMENTA-O-CORONAVIRUS-NA-AFRICA



Amy Braunschweiger é jornalista e gerente sênior de comunicação web na Human Right Watch.

Mausi Segun é diretora executiva da Human Right Watch na África, responsável por supervisionar o trabalho da organização em aproximadamente 30 países.

Editora Responsável: Luna Ribeiro Campos











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